dizagem de Wilheim Meister em uma
gaveta, como se pressentisse que não
era um livro adequado para a época).
Incidentalmente, que o Jin Ping Mei
tenha sido celebrado como a obra
de arte que transformaria o romance
chinês é um outro exemplo impres‑
sionante da diferença entre as duas
tradições: que a cultura européia pu‑
desse produzir — e apreciar! — um
corpus erótico tão explícito como o
chinês é inimaginável.
[16] Pomeranz, op. cit., p. 161.
iv
Quando discutimos os destinos de áreas centrais do século
xviii
,
escreve Kenneth Pomeranz:
Devemos fazer que nossas comparações… sejam verdadeiramente recí‑
procas… isto é, devemos procurar por ausências, acidentes e obstáculos que
desviaram a Inglaterra de um caminho que poderia tê‑la feito mais parecida
com o delta do Yang‑tsé ou com Gujarat, junto com o exercício mais usual de
procurar por bloqueios que impediram áreas não‑européias de reproduzir
caminhos europeus implicitamente normalizados… devemos conceber am‑
bos os lados da comparação como “desvios” quando vistos segundo as expec‑
tativas do outro, em vez de deixar sempre um como norma
11
.
A ascenção européia do romance como desvio do caminho chinês:
logo que se começa a pensar nesses termos, salta aos olhos o quanto o
romance foi levado mais a sério na China do que na Europa. Apesar de
todos os ataques dos literatos confuncianos, no início do século
xvii
a
cultura chinesa já possuía um cânone do romance; a Europa ainda nem
pensava nisso. Para a epopeia ou para a tragédia já o possuía, ou para
a lírica; não para o romance. E o cânone é apenas a ponta do iceberg:
havia na China um imenso investimento de energias intelectuais na
edição, revisão, continuação e especialmente no comentário de roman‑
ces. Esses já eram livros bastante longos, O romance dos três reinos, seis‑
centas mil palavras, o comentário de entrelinhas o fazia ter quase um
milhão — mas aumentava tanto “a fruição… do romance”, escreve Da‑
vid Rolston, “que edições sem comentários… saíram de circulação”
12
.
“O romance precisa menos de… comentários do que outros gêne‑
ros”, escreve Watt em A ascensão do romance
13
, e no caso da Europa ele
está certo. Mas os romances chineses precisavam deles, porque eram
considerados uma arte. Desde pelo menos o Jin Ping Mei, por volta de
1600, “o xiaushuo chinês sofreu uma… extensa virada estética”, escre‑
ve Ming Dong Gu: “uma imitação e competição auto‑consciente com
os gêneros literários dominantes… uma poetização”
14
. Deveríamos
procurar por ausências que desviaram o romance europeu do caminho
chinês… e aqui está um: a virada estética do romance europeu ocorreu
no fim do século
xix
, com um atraso de quase trezentos anos
15
. Por quê?
V
Para Pomeranz, uma razão para a grande divergência foi que na
Europa do século
xviii
“as rodas da moda estavam girando mais rápi‑
do”
16
, estimulando o consumo, e pelo consumo a economia como um
todo; enquanto na China, depois da consolidação da dinastia Qing, o
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Novos esTUdos 85 ❙❙ NoveMBro 2009
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[17] Plumb, J. H. “The commercializa‑
tion of leisure in eighteenth‑century
England”. In: McKendrick, Neil.,
Brewer, John., Plumb, J. H. The birth
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