und höfischer Roman. Heidelberg: Carl
Winter, 1963, passim.
[10] Köhler, “Quelques observa‑
tions…”,op. cit., p. 326.
nenhuma realidade prática”. E ainda assim, continua Auerbach, esse
ethos irreal “conquistou aceitação e validade no mundo real” da cultura
ocidental de forma aparentemente definitiva
9
. Como isso foi possível?
Para Köhler, a razão está no fato de que a aventura se “estilizou e
moralizou” no ideal mais abrangente — lançado pelas cruzadas,
e sublimada pelo Graal — da “redenção cristã do guerreiro”
10
. O que
parece correto, mas por sua vez suscita um outro problema: como é
que essas coordenadas rigidamente feudais da aventura puderam
não apenas sobreviver na era burguesa, mas também inspirar todos os
seus gêneros mais populares?
III
Antes que eu arrisque uma resposta, algumas reflexões a respeito
da terceira questão, a comparação entre China e Europa. Até meados
do século
xix
, quase ao fim para ser mais exato, os romances do leste
asiático e do oeste europeu se desenvolveram independentemente um
do outro; o que é muito bom, é como um experimento que a história
realizou para nós, a mesma forma em dois… laboratórios, situação
perfeita para a morfologia comparativa, porque nos permite olhar para
traços formais não como dados, como inevitavelmente tendemos a fa‑
zer, mas como escolhas. E escolhas que no fim resultam em estruturas
alternativas. Começando, por exemplo, com o fato de quão freqüente‑
mente os protagonistas de romances chineses serem, não indivíduos,
mas grupos: a unidade familiar em Jin Ping Mei e em A história da pedra
(ou Sonho do quarto vermelho), os fora‑da‑lei em A margem d’água, os li‑
teratos em Os acadêmicos. Títulos já são uma pista — como ficariam os
títulos europeus sem nomes próprios? — mas aqui, nem ao menos
um; e esses não são romances escolhidos aleatoriamente, são quatro
das seis “grandes obras‑primas” do cânone chinês, seus títulos (e seus
heróis) importam.
Grupos, portanto. Extensos; e com sistemas de personagens ainda
mais extensos em seu entorno: críticos chineses identificaram mais
de seiscentas personagens em Os acadêmicos, oitocentas em A margem
d’água e no Jin Ping Mei, 975 em A história da pedra. E como tamanho di‑
ficilmente é apenas tamanho — uma história com mil personagens não
é apenas uma história com cinqüenta personagens vinte vezes maior: é
uma história diferente — tudo isso acaba por gerar uma estrutura que
é muito pouco semelhante à que estamos acostumados na Europa.
Com tantas variáveis, era de se esperar que fosse mais imprevisível,
mas costuma ser o oposto: um grande esforço para reduzir a impre‑
visibilidade e reequilibrar o sistema narrativo. vejamos um exemplo
tirado de A história da pedra: após seiscentas ou setecentas páginas, os
dois jovens amantes ainda não declarados, Bao‑yu e Dai‑yu, têm uma
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de suas muitas brigas; Dai‑yu sai de cena e Bao‑yu, agora só, cai em
uma espécie de transe; sua serviçal Aroma chega, e ele, sem perceber
sua presença, em seu estado onírico começa a expressar pela primeira
vez o seu amor por Dai‑yu; ele então desperta, vê Aroma, fica perplexo,
foge, e pode‑se imaginar todo tipo de conseqüência: Aroma tem dor‑
mido há algum tempo com Bao‑yu, e poderia ficar magoada; ou pode‑
ria ir atrás de Dai‑yu, e dizer a ela aquilo que Bao‑yu acaba de dizer; ou
poderia denunciá‑la à outra jovem que está apaixonada por Bao‑yu…
Muitas maneiras de fazer o episódio gerar narrativa (afinal, estivemos
esperando por essa declaração de amor por centenas de páginas); e no
entanto, o que Aroma pensa imediatamente é “o que ela poderia fazer
para impedir que um escândalo decorresse dessas palavras”. Impedir
desenvolvimentos: essa é a chave. Minimizar a narratividade. A história
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