perspectives on narrative in prose and
verse. Cambridge: Brewer, 1997.
[4] Ver, por exemplo, Godzich, W. e
Kittay, J. The emergence of prose. An es‑
say in prosaic. Minneapolis: Univer‑
sity of Minnesota Press, 1987, pp. 34ss.
I
Prosa. Hoje em dia, tão ubíqua nos romances que tendemos a es‑
quecer que ela não era inevitável: romances antigos eram escritos cer‑
tamente em prosa, mas Satiricon por exemplo tem muitas e longas pas‑
sagens em verso; Genji monogatari tem ainda mais (e de forma crucial, já
que centenas de poemas tanka estilizam a tristeza e a espera ao longo
da história); romances medievais franceses atingiram precocemente
um pico prodigioso com Chrétien de Troyes; metade da velha Arcadia
é composta de éclogas; os romances clássicos chineses utilizam a poe‑
sia de diversas formas… Então por que a prosa prevaleceu, ao fim, de
maneira tão absoluta, e o que isso significou para a forma do romance?
Permitam‑me começar pelo lado oposto, pelo verso. verso, versus:
há um padrão que vai e volta. Há uma simetria, e simetria sempre su‑
gere permanência, por isso monumentos são simétricos. Mas a prosa
não é simétrica, e isso imediatamente cria um sentimento de não‑per‑
manência e irreversibilidade. Prosa, pro‑vorsa: olhando adiante (ou
defrontando, como na Dea Provorsa romana, deusa parideira): o texto
tem uma orientação, ele aponta para a frente, seu sentido “depende do
que está adiante (o fim de uma sentença; o evento seguinte da trama)”,
como notaram Michal Guinsburg e Lorri Nandrea
3
. “O cavaleiro se
defendia de forma tão valente que seus agressores não puderam prevalecer”;
“vamos nos afastar um pouco, para que não me reconheçam”; “Não co‑
nheço aquele cavaleiro, mas ele é tão valente que eu lhe daria com satisfação
o meu amor”. Encontrei essas passagens em meia página de Lancelot,
facilmente, porque em construções consecutivas e finais — nas quais
o sentido depende a tal ponto do que está à frente que uma sentença
literalmente deságua na que lhe segue — esses arranjos prospecti‑
vos estão por toda parte na prosa e lhes conferem seu peculiar ritmo
narrativo acelerado. E não é que o verso ignore o nexo consecutivo
enquan to a prosa não é nada menos que isso, claro; essas são apenas
suas “linhas de menor resistência”, para usar a metáfora de Jakobson;
não é uma questão de essência, mas de relativa freqüência — mas o
estilo é sempre questão de freqüência relativa, e o caráter consecutivo
da estrutura é um bom ponto de partida para uma estilística da prosa.
Há contudo um segundo ponto de partida possível, que conduz
não em direção à narratividade, mas à complexidade. É um ponto de
partida bastante utilizado em estudos de dérimage [adaptação em pro‑
sa de obras originalmente em verso], a prosificação dos romances de
cavalaria no século xii que foi um dos momentos de decisão, por assim
dizer, entre o verso e a prosa, e um fato freqüente, na transferência de
um a outro, foi que o número de orações subordinadas aumentou
4
.
O que faz sentido, pois um verso até certo ponto se basta a si mesmo,
estimulando orações independentes; a prosa é contínua, é antes uma
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[5] [ed. bras.] Adorno, Theodor W.
“O ataque de Veblen à cultura’. Pris‑
mas. São Paulo: Ática, 1997, p. 75.
construção. Creio que não é à toa que o mito da “inspiração” seja tão
raramente evocado no caso da prosa: a inspiração é por demais instan‑
tânea para fazer sentido na prosa, semelhante demais a um dom; e a
prosa não é um dom, é trabalho: “produtividade do espírito”, como a
chamou Lukács na Teoria do romance, e é a expressão correta: a subor‑
dinação [hypotaxis] é não apenas trabalhosa — ela exige capacidade de
antecipação, memória, adequação dos meios aos fins — mas também
verdadeiramente produtiva: o resultado é mais do que a soma de suas
partes, porque a subordinação estabelece uma hierarquia entre ora‑
ções, os sentidos se articulam, vêm à tona aspectos que não existiam
antes… É desse modo que a complexidade surge.
A aceleração da narrativa; a construção da complexidade. Am‑
bas reais e completamente incongruentes uma em relação à outra. O
que a prosa significou para o romance? Ela permitiu que o romance
jogasse em duas mesas completamente diferentes — popular e eru‑
dita —, fazendo dele uma forma adaptável e bem‑sucedida como
nenhuma outra. Mas, também, uma forma extremamente polarizada.
A teoria do romance deveria possuir maior profundidade morfológi‑
ca, dissemos antes, mas “profundidade” é uma expressão imprecisa.
O que temos aqui são extremos estilísticos que no curso de dois mil
anos não apenas se afastam cada vez mais um do outro, mas se vol‑
tam um contra o outro: o estilo da complexidade, com suas orações
hipotéticas, concessivas e condicionais, fazendo as narrativas pros‑
pectivas parecerem simplórias e plebéias; e formas populares, por
sua vez, mutilando a complexidade sempre que possível — palavra,
sentença, parágrafo, diálogo, por toda parte.
Uma forma dividida entre a narratividade e a complexidade: com
a narratividade dominando sua história, e a complexidade sua teoria.
Entendo, é claro, por que alguém prefere estudar a estrutura de frase em
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