MULA SEM CABEÇA
Não há quem não saiba, por todos estes sertões do Brasil, que m ulher que
se casa com padre, cedo ou tarde, vira Mula sem Cabeça.
Essa é a gênese clássica de um a das criaturas assom brosas m ais populares
do im aginário brasileiro. A sua contrapartida m asculina, o Cavalo sem Cabeça –
ou sej a, o hom em que se casa com um a freira –, nem de longe gozou da m esm a
popularidade, com provando o triunfo do preconceito m achista. (O Brasil parece
ser um dos poucos lugares do m undo onde a transform ação da m ulher em m ula
ou outro anim al qualquer está associada diretam ente a um a punição m oral.)
Apesar de não possuir cabeça, no lugar onde ela deveria estar pode-se ver,
nas noites apavorantes em que a criatura surge, o expelir irado de j atos de fogo.
Além de lançar fogo pelas ventas invisíveis, ela relincha de m aneira m il vezes
m ais audível do que um a m ula norm al.
Outro detalhe notável é o fato de ela carregar no pescoço im aginário o
freio de ferro. Quem conseguir arrancá-lo, quebra o feitiço, voltando a ter nos
braços a m ulher original. Antes, porém , de tentar a proeza, é preciso tom ar o
cuidado de esconder bem as unhas e os dentes, pois, por algum a razão, ela odeia
estas duas coisas. (Há quem diga que ela se alim enta dessas duas coisas, por m ais
absurdo que pareça.)
Suas patadas são m ortíferas, e seu galope, quase im possível de ser detido,
daí a razão de ninguém ainda ter conseguido extrair-lhe o freio orlado de sangue
dos dentes invisíveis.
O pelo, segundo o entendim ento da m aioria dos estudiosos, é negro. Às
vezes, acrescentam -lhe, por ornato, um a cruz de cabelos brancos, para
evidenciar a sua origem sacrílega. Já o rabo é um a espécie de farol traseiro,
reluzindo na noite com o um facho de luz.
A Mula sem Cabeça nos veio de Portugal e arredores. A razão de o anim al
ser um a m ula parece ser a de que os prelados costum avam seguir, em suas
andanças piedosas, trepados num a m ula, m ontaria ideal para vencer terrenos
acidentados.
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