ANHANG Á
Entidade sobrenatural dos silvícolas que os j esuítas elevaram à condição de
Diabo, o Anhangá é um dos espíritos m ais tem idos pelos índios. Rival de Jurupari,
o espírito dos pesadelos, a quem os j esuítas tam bém aplicaram a pecha de
dem ônio, este Anhangá (ou Anhanga, sem acento) era, na verdade, o espírito da
caça das florestas am azônicas, e só m etia m edo m esm o nos desafetos das m atas.
Sua figura é garbosa, apresentando-se sob a form a de um cervo branco de
olhos em brasa, com o detalhe dos chifres cobertos de pelos. Ao que parece, os
catequistas tam bém deram um toque piedoso na sua figura, j á que, em algum
m om ento, o cervo passou a possuir um a cruz bem no m eio da testa (de qualquer
m odo, algo estranho na testa de um dem ônio). Apesar da sua bela aparência, não
é m uito aconselhável tentar avistar o Anhangá, pois diz-se que a sim ples visão
deste cervo fantasm a é o bastante para deixar um a pessoa louca. E se alguém ,
ainda assim , pretender caçá-lo, é m elhor esquecer: o Anhangá é um a criatura
tão segura de si que, em vez de fugir do cano de um a espingarda, põe-se a
m astigá-lo tranquilam ente, com o se fosse cana de açúcar.
Segundo os m elhores estudiosos, o Anhangá cervo, considerado com o
num e protetor da floresta, foi confundido com outro ser de m esm o nom e,
associado às assom brações e aos m alefícios.
Repetiu-se, deste m odo, nas Am éricas, a m esm a m etam orfose ocorrida
nas florestas da velha Europa pagã, quando Cernunos e outras divindades pré-
cristãs, tam bém dotadas de chifres, passaram a encarnar, no im aginário cristão,
o Diabo. Aqui não foi diferente, e os próprios índios, fascinados m ais pelo m edo
do que pela beleza, passaram a privilegiar a história que aponta Anhangá com o
um a versão cabocla de Satanás, relegando o cervo branco a um segundo e
indigno plano.
Mas o legítim o Anhangá continuará a ser sem pre o cervo guardião das
florestas.
BOITATÁ
Cham ado m uitas vezes de Mboitatá, esta criatura é outro dos personagens
obrigatórios de qualquer coletânea fantástico-zoológica do Brasil.
Apesar do nom e, o Boitatá nada tem a ver com bois, m as com um a cobra
transparente que irradia um a luz ofuscante nas noites tristes das m atas brasileiras
(isto não im pediu, porém , que ele fosse descrito com o um touro de olhos
coruscantes, constituindo este um dos exem plos m ais curiosos do poder de
m utação operado pelas palavras). Felizm ente, m esm o aqui, há lim ites: no
Nordeste, em bora sendo cham ado de Batatão, ninguém ainda se lem brou de lhe
dar um a conform ação de batata.
Boitatá significa “Coisa de fogo”, em razão do fogo que dele em ana,
constituindo-se o anim al, na verdade, num a representação figurada do fogo-
fátuo. Tam bém é identificado – ou confundido – com a Boiúna e a Cobra-
Grande, m itos aquáticos assem elhados.
Apesar dos fogos-fátuos existirem em todo o m undo, o Boitatá original
resistiu relativam ente bem ao assédio da influência europeia, perm anecendo sem
conform ação física ou psicológica hum ana algum a. Ele é um a cobra – ou, m ais
exatam ente, um espectro de cobra –, cuj a função única é a de com er e
atem orizar.
Som ente quando o m ito abandona as m atas, ganhando as cidades, é que o
Boitatá com eça a degenerar em sua pureza, recebendo adendos extravagantes,
im portados dos m ais diversos fabulários (m as que, m esm o neste caso, não foram
suficientes para desfigurá-lo com pletam ente).
O Boitatá, dizem , alim enta-se som ente dos olhos das suas vítim as, a ponto
de o seu corpo translúcido ficar repleto de olhos cham ej antes. Para escapar à sua
fúria, o coraj oso deve m unir-se de um a boa dose de sangue-frio: perm anecer
parado e de olhos fechados é o que basta para fazer a serpente se desinteressar
dele. Se não funcionar, sugere-se a tática m ais rude de arrem essar-lhe um obj eto
de ferro.
Indo adiante a deturpação, chegou-se, enfim , às m utações com propósitos
m orais e ecológicos: o Boitatá transform a-se, dizem , num pedaço ardente de
m adeira a fim de punir os agressores das m atas.
Apesar de tudo isso, podem os nos dar por felizes pelo fato de ninguém , no
fim das contas, ter conseguido transform ar o Boitatá em m ais um sátiro das
águas, com o sucedeu ao Boto, ou num a sereia suspirante, com o sucedeu à
Cobra-Grande, rebatizada de “Iara”.
BOTO
O Boto é um a espécie de golfinho que, segundo a lenda am azônica, nas
noites quentes sai da sua m orada aquática para ir seduzir, nos bailes ribeirinhos,
as m ulheres incautas.
Assim com o a Iara, o Boto é um a das nossas lendas m ais populares e, ao
m esm o tem po, m enos autenticam ente indígenas. Praticam ente o único traço a
restar do m ito original é o fato de a criatura em ergir fantasticam ente das águas
para entrar em contato direto e terreno com os hom ens – ou, m ais exatam ente,
com as m ulheres. (Se fosse um a lenda autenticam ente indígena, sem m escla de
corrupção, o Boto sairia das águas sim plesm ente para devorar e espalhar a
devastação, sem recorrer aos estratagem as sensuais im portados e típicos das
raças vestidas.)
A exem plo da Cobra-Norato – outra deturpação do m ito da Cobra-Grande
–, o Boto, despindo-se de sua aparência aquática, transform a-se m agicam ente
num galante sedutor, traj ado de branco e com um chapéu do qual j am ais se
desfaz (artefato im prescindível para esconder o orifício de respiração que o
hom em -golfinho possui no topo da cabeça). Seu único obj etivo, um a vez fora do
seu elem ento, é seduzir as m oças e engravidá-las, gerando um a estirpe da qual se
ignora o resultado final (não sabem os se os filhos herdam as características do
pai ou se nascem e m orrem com o hum anos quaisquer).
O olho seco do boto-tucuxi é usado até hoj e com o talism ã para atrair o
am or das m ulheres que se recusam a cair na lábia dos hom ens despidos de
qualquer encanto.
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