COBRA-NORATO
Certa vez, um a m ulher ficou grávida do Boto, o m ais fam oso sedutor das
águas paraenses. Um casal de gêm eos nasceu. Era um lindo casal, só que um
casal de cobras d’água.
A m ãe não quis saber deles e foi pedir instruções a um paj é.
– Eles são cria da Cobra-Grande! – disse ela, assustada.
O paj é, depois de consultar seus m anes, disse que ela deveria abandoná-los
às m argens do Tocantins, e assim foi feito.
O tem po passou, e as cobrinhas gêm eas viraram duas cobras gigantes.
Um a delas se cham ava Honorato, ou sim plesm ente Norato, e era um a cobra
m acho boa e cordata. Sua irm ã, porém , tornou-se m á e vingativa, e graças ao
seu gênio ruim foi cham ada Maria Caninana (m al cham ada, j á que caninana, na
língua tupi, quer dizer “cobra não venenosa”).
Durante m uito tem po, Cobra-Norato tentou dem over a irm ã da prática de
m aldades, m as ela não sabia fazer outra coisa senão afogar banhistas e afundar
em barcações.
– Minha irm ã, desta vez você passou dos lim ites! – disse-lhe Norato, certa
feita, depois que ela fora bulir com um a cobra encantada que m orava debaixo do
altar de um a igrej a em Óbidos.
Ela sabia que se a cobra saísse dali a igrej a inteira ruiria. Mesm o assim ,
m exeu com ela e a cobra rem exeu-se. Para felicidade das velhas beatas, a
igrej a não ruiu, m as ganhou um a rachadura de alto a baixo.
– Tom a tento, encrenqueira! – disse Norato.
– Que tento, nem vento! Quem pensa que é? – silvou a Caninana.
Então Norato atracou-se com a irm ã e, depois de um a luta titânica nas
águas, m atou-a.
Desde então, passou a haver apenas um a cobra sobrenatural no Tocantins,
que era Cobra-Norato. Após estraçalhar a irm ã, ele recuperou a alegria de viver,
tendo adquirido até o hábito de fazer algum as visitinhas às aldeias próxim as do
rio, especialm ente à noite, tal com o seu pai Boto costum ava fazer.
Cobra-Norato adorava dançar e, sem pre que havia um baile, saía das
águas para seduzir algum a m oça ribeirinha. Ele tinha o dom de se transportar
m agicam ente de um lugar para o outro, e era assim que podia ser visto, num a
m esm a noite, em quatro ou cinco lugares m uito distantes.
Quando ele abandonava o rio para fazer suas incursões terrestres,
costum ava deixar nas m argens a sua pele de cobra. De dentro dela surgia um
rapaz belo e charm oso, irresistível às m ocinhas.
Norato gostava tanto das suas surtidas noturnas que desej ou tornar-se um
ser hum ano com o os outros. Havia, porém , um sortilégio que o im pedia de
abandonar as águas.
Certo dia, num baile, ele pediu a um a m oça que quebrasse a m aldição.
– É sim ples – disse ele. – Basta que você despej e algum as gotas de leite
sobre a m inha cabeça e depois dê um golpe sobre ela, o suficiente para tirar
algum as gotas de sangue.
– Jam ais poderia feri-lo! – disse ela, em prantos.
Norato, porém , arrastou-a até as m argens do rio e teim ou para que ela o
livrasse do m al. Antes, porém , ele devia assum ir sua form a original de cobra, e
foi aí que tudo deu pra trás. Ao ver a cobra m onstruosa, a pobre m enina saiu
correndo de volta para a cidade.
Norato, desconsolado, pediu a todo m undo que o livrasse da m aldição, m as
era sem pre a m esm a coisa. Nem m esm o a sua m ãe tivera coragem o bastante
para encarar o m onstro e livrá-lo da m aldição.
Certa feita, porém , durante um a das festas às quais ele com pareceu, um
soldado valente se prontificou a colocar um fim ao sortilégio do am igo.
O soldado acom panhou Norato até as m argens do rio, levando consigo um a
garrafa de leite e a sua inseparável espada.
– Pode vestir a pele! – disse ele, ao chegarem ao rio.
Norato entrou para dentro da pele e se transform ou, outra vez, na tem ível
cobra. O soldado ficou pálido com o a lua, m as não recuou. Depois de abrir a
garrafa, despej ou algum as gotas de leite na cabeça da cobra e, em seguida,
aplicou-lhe um a valente cutilada na cabeça. Algum as gotas m inaram da ferida,
m isturando-se ao leite, e, com o por m ágica, Norato tornou-se definitivam ente
hom em .
Desde então, o fabuloso Cobra-Norato deixou de ser cobra. O que foi feito
dele depois, ninguém sabe. Há quem diga que virou soldado e foi servir no
m esm o batalhão do am igo que o desencantou, m as isto deve ser patranha de
algum caboclo m alicioso.
Compartilhe com seus amigos: |