A PESCARIA DAS MULHERES
Esta lenda, um a verdadeira farsa silvícola, tam bém é dos bororos e narra
um a divertida disputa entre hom ens e m ulheres.
Tudo com eçou quando os hom ens, perdendo a sorte ou a habilidade na
pesca, com eçaram a retornar, todos os dias, de m ãos abanando do rio. Aquilo j á
virara rotina, e era sob o olhar de censura das m ulheres da aldeia que eles
chegavam de cabeça baixa e sam burá vazio.
– Aí está, nada de peixe, outra vez! – disse um a índia velha. – O que houve,
seus tolos, desaprenderam a pescar?
Os hom ens não sabiam o que dizer, m as tanto desaforo escutaram que um
dia o cacique resolveu desafiá-las.
– Vocês falam , falam , m as não seriam capazes de pescar nem um lam bari
m orto!
Então as m ulheres, despeitadas, resolveram m ostrar do quanto eram
capazes. Tom ando os arcos das m ãos dos esposos, elas partiram para dentro da
m ata, sob o riso geral.
Ao chegarem à beira do rio, elas com eçaram a cham ar pelas lontras.
– Venham , lontras am igas, precisam os da sua aj uda!
As lontras apareceram e foram rapidam ente inform adas de tudo.
– Tragam o m áxim o de peixes que puderem ! – disse a líder das m ulheres.
Ignora-se que espécie de trato foi fixado entre as m ulheres e as lontras,
m as o fato é que as lontras m ergulharam nas águas e com eçaram a caçar todos
os peixes, atirando-os para a m argem . Foi um a verdadeira chuva de peixes, que
as m ulheres aparavam nos sam burás até eles transbordarem .
Quando o dia estava term inando elas retornaram , enfim , para a aldeia.
Hom em algum foi capaz de acreditar no que seus olhos viam .
– Vej am , os sam burás transbordam !
– Sim , e que peixões!
No dia seguinte, os hom ens regressaram ao rio, certos de que a m aré
virara e de que eles tam bém seriam capazes de encherem -se de peixes.
Mas retornaram , m ais um a vez, de m ãos abanando.
– Dá cá isto! – disse a líder das m ulheres, tom ando novam ente o arco.
As m ulheres voltaram ao rio, celebraram novo pacto com as lontras e, no
fim do dia, retornaram com tantos peixes que todos os m oquéns da aldeia
tiveram de ser acesos para evitar que toda aquela carne acabasse se estragando.
– Precisam os descobrir o que elas fazem para arranj ar tanto peixe! – disse
o cacique.
O velho m orubixaba tem ia, acim a de tudo, que as m ulheres voltassem a
com andar os destinos da taba, tal com o se dizia ter acontecido nos velhos dias de
opressão fem inina.
– Elas são espertas e não perm item que nos aproxim em os enquanto
pescam – disse um índio que tentou espiá-las, m as acabou atingido por um a
flecha no pé.
Então o paj é, senhor dos segredos da m ata, foi incum bido de encontrar
um a solução. Depois de ingerir um a puçanga de ervas e entoar versos m ágicos,
ele vidrou os olhos e disse, num tom cavernoso:
– Cham em a quituiréu!
Quituiréu era um a pequena e prosaica ave, hábil na espionagem .
– Siga as m ulheres e descubra por que elas pescam com tanta facilidade –
disse o m ago indígena à avezinha, que sum iu logo, num pé de vento, para dentro
da m ata.
No fim do dia, antes que as m ulheres regressassem , a pequena ave espiã
retornou. Todos os índios acocoraram -se ao redor do paj é enquanto a quituiréu
cochichava na cova da sua orelha m arrom o grande segredo.
Assim que o pássaro term inou de pipilar, o paj é arregalou os olhos e
anunciou:
– As índias trapaceiam j unto com as lontras!
Então o cacique se pronunciou:
– Não façam nada quando elas voltarem da pesca!
– Com o não? – bradou alguém . – Vam os dar-lhes um a boa surra!
– Nada disso – insistiu o cacique. – Façam os de conta que nada sabem os.
Não dem onstrem os surpresa nem cólera. Isso as deixará intrigadas, e é o quanto
nos basta, por ora.
E assim se fez. Quando as m ulheres retornaram de sam burás cheios, os
hom ens não deram a m ínim a e continuaram em silêncio, de olhos fitos no ar ou
no chão.
– O que houve? – disse a índia velha.
Na m anhã seguinte, os hom ens anunciaram que iriam tentar nova pescaria.
– Podem ir – disse a m ulher, certa de que seria outro fracasso. – Graças a
Tupã tem os peixe suficiente para as próxim as trinta pescarias fracassadas de
vocês.
Mal sabiam elas, porém , que os hom ens levavam consigo cordas
recobertas de visgo, um a resina grudenta. Ao chegarem na beira do rio, o
quituiréu cham ou, com sua voz fininha, as lontras.
As lontras, im aginando tratar-se outra vez das m ulheres, surgiram das
águas alegrem ente.
– Agora, atirem as cordas! – gritou o cacique.
Os índios pularam sobre as lontras e com eçaram a garroteá-las um a a
um a. Som ente um a escapou, fugindo para dentro da água com os olhos
arregalados do m ais puro terror.
– Muito bem , agora que j á dem os um j eito nesses bichos enganadores,
podem os voltar para a aldeia – disse o cacique.
– Não vam os pescar? – disse alguém .
– Não – disse o cacique. – Antes quero ver a cara das índias quando vierem
pescar e forem obrigadas a retornar de sam burás vazios.
No dia seguinte, as m ulheres retornaram , de fato, à pescaria e, ao
cham arem as suas cúm plices, viram som ente a lontra sobrevivente em ergir das
águas. A coitada só a m uito custo conseguiu revelar todas as atrocidades
praticadas pelos hom ens no dia anterior.
– Miseráveis! Eles irão pagar bem caro por isso! – bradou a índia velha.
Ora, acontece que essa índia tam bém era entendida em puçangas, e no
m esm o instante determ inou que suas am igas recolhessem das m atas um a fruta
cham ada pequi. Essa frutinha, produto das m atas brasileiras, possui num erosos
espinhos que rodeiam o caroço, por debaixo da polpa.
– Preparem a beberagem ! – disse a índia, e as outras passaram o resto do
dia preparando a poção venenosa.
Quando o dia acabou, elas retornaram à aldeia.
– Ah! Ah! Ah! Onde estão os peixes, hoj e? – gritavam os hom ens, rindo
m uito.
– O rio não estava para peixe, então preferim os gastar o tem po fazendo
esta bebida revigorante – disse a índia velha, m ostrando a beberagem que elas
traziam em grandes cum bucas.
– Passem isso para cá! – disseram eles repentinam ente, arrebatando-lhes a
bebida. – Estam os loucos de sede de tanto rir!
Os hom ens ingeriram a bebida e não dem orou m uito para com eçarem a
tossir, desesperados. Enquanto se engasgavam , grunhiam feito porcos, tentando
se livrar dos espinhos encravados na garganta.
E foi assim que os hom ens da aldeia acabaram se transform ando em
porcos.
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