O BATISMO DAS ESTRELAS
Com o na m aioria das lendas indígenas, tudo se passa num clim a m eio de
sonho: num passe de m ágica, arraias se tornam j atobás, e de j atobás se tornam
estrelas.
Diz-se, pois, que certa feita um índio foi pescar com seu filho. Os dois
estavam vasculhando as águas de um rio quando o garoto gritou:
– Vej a, papai, um a arraia!
O pai avistou o bicho e, após fazer rápida pontaria, lançou a flecha.
– Pim ba! – gritou o m enino, pulando de alegria. – Vam os assá-la, papai!
Estou com m uita fom e!
O pai m andou-o, então, acender um a fogueira, enquanto enrolava a arraia
num as folhas. Depois de aj eitá-la bem no pequeno forno im provisado, o índio
retornou ao rio.
– Vou ver se pesco m ais algum a coisa – disse ele, enquanto o indiozinho
vigiava o assado.
Um tem po se passou (não m uito) até que o garoto berrou:
– Papai, a arraia j á assou!
Mas o índio sabia que era cedo dem ais.
– Não! É preciso esperar m uito m ais!
Dali a pouco (bem pouquinho m esm o), o m enino de novo:
– Papai, a arraia j á assou!
– Assou nada! Espera m ais um pouco!
Mas o m enino tanto incom odou, louco de fom e que estava, que o índio
apareceu com cara de poucos am igos. Depois de retirar a arraia do seu
invólucro, constatou que, de fato, ela ainda estava crua.
– Está vendo? Com a-a crua, agora!
O índio atirou a arraia longe e voltou sozinho para casa.
O indiozinho com eçou a gritar e a chorar. No m esm o instante, gritos
assustadores explodiram por toda a m ata, enchendo-o de terror.
Então, sentindo-se indefeso, abraçou-se a um pé de j atobá e gritou:
– Jatobá, m eu avô, sobe com igo!
O pé, que era pequeno, com eçou a crescer com o o pé de feij ão do João,
levando consigo o m enino. Quando estava altíssim o, tão alto que o garoto podia
tocar o céu, o j atobá parou de crescer.
Só que a gritaria da floresta não cessara. Quem a prom ovia eram uns
espíritos cham ados Kogai, que estavam sem pre ao redor do j atobá.
Então, a noite desceu, e, um a a um a, as estrelas com eçaram a surgir com o
pirilam pos ao redor do m enino em poleirado. Cada vez que um a surgia, escutava-
se dos espíritos algo parecido com um assovio, que é a m aneira de estes entes se
com unicarem .
Quando a prim eira estrela surgiu, o assobio lhe disse o seu nom e, e depois
foi dizendo o nom e de todas as outras, inclusive das constelações.
– A Constelação Akiri! As Pequenas Garças! A Tartaruga da Água! Os
Rastros da Em a!
O garoto ia retendo na m em ória cada um dos nom es, e passou toda a noite
nesse brinquedo, até que a aurora surgiu. Então, o m anto negro da noite foi
recolhido rapidam ente para as profundezas do horizonte, levando consigo todas as
suas j oias e os seus adornos.
As vozes cessaram , e o garoto, sentindo-se só e infeliz naquela vastidão
sem estrelas, pediu ao j atobá que descesse com ele. A árvore obedeceu, e o
garoto pulou, feliz, para o chão, indo levar à sua aldeia o conhecim ento que
adquirira durante toda a noite.
Compartilhe com seus amigos: |