PARTE I
LENDAS INDÍG ENAS
OS FILHOS DO TROVÃO
(SAG A DOS TÁRIAS – I)
A lenda da origem dos tárias, ou filhos do Trovão (tam bém ditos filhos do
Sangue do Céu) está longe de ser a m ais fam osa das nossas lendas indígenas.
Contudo, é, seguram ente, um a das m ais interessantes, razão pela qual foi
escolhida para abrir esta pequena m as representativa am ostra da extraordinária
capacidade im aginativa dos nossos verdadeiros ancestrais.
Os tárias – ou tarianas – eram um a tribo do rio Uaupés, situado no
Am azonas. Segundo os estudiosos, a palavra “tária” deriva de “trovão”, elem ento
genésico prim ordial dessa tribo.
Vam os, pois, à originalíssim a lenda que conta a origem dos tárias.
Diz, então, que num tem po m uito antigo o Trovão deu um estrondo tão
forte que o Céu rachou e com eçou a gotej ar sangue. O sangue caiu em cim a
dele próprio, Trovão – aqui entendido com o um ente personalizado –, e secou
sobre o seu corpo. Algum tem po se passou e o Trovão trovej ou outra vez, e o
sangue que estava sobre ele virou carne. Mais adiante, um novo trovej ar fez com
que a carne se desprendesse do seu corpo e fosse cair sobre a Terra. Ao tocar o
solo, a carne se despedaçou em m il pedaços, e estes pedaços se transform aram
em gente – hom ens e m ulheres.
Assustadiços por natureza, os filhos do Trovão correram logo a se m eter no
interior da prim eira gruta, assim que anoiteceu (eles eram ignorantes das coisas
da Terra, então, ao verem o sol desaparecer, im aginaram que ele nunca m ais
retornaria).
Quando com eçou a am anhecer, porém , tiveram um a grata surpresa: o céu
voltava, pouco a pouco, a tom ar um a coloração verm elha, sob o efeito da luz do
sol.
Eles observaram o sol subir ao céu e, quando ele chegou ao zênite,
sentiram fom e. No alto de um a árvore, viram , então, um pássaro alim entando-se
de um fruto.
– Façam os o m esm o! – disse um dos filhos do Trovão.
Para um a prim eira frase, não estava nada m al. Dem onstrava prudência
aliada a um a boa observação.
Os tárias – j á podem os cham á-los assim – subiram na m esm a árvore e
foram com er dos m esm os frutos com os quais a ave se alim entava.
Em panturraram -se até a noite voltar, quando todos, assaltados novam ente pelo
m edo, foram se m eter no interior da gruta.
No dia seguinte, bem cedo, treparam outra vez na árvore para saciar a
fom e. Debaixo dela, surgiram dois cervos, m acho e fêm ea, que tam bém
com eçaram a se alim entar dos frutos que caíam . Dali a pouco, um dos cervos
m ontou sobre o outro, e os dois esqueceram -se de tudo o m ais.
– O que estão fazendo? – disse um dos tárias, que ainda ignorava as coisas
deste m undo.
Eles observaram bem e retornaram para o interior da gruta. Ninguém
conseguia esquecer o que se passara entre os cervos, e estavam todos
extraordinariam ente inquietos.
Durante a noite, a Mãe do Sono – um a das tantas Cys, as m ães divinas
indígenas de tudo quanto há na m ata – visitou-os em sua gruta para contar-lhes
quem eles eram . Depois, transform ou-os em cervos, e eles foram correndo para
baixo da árvore repetir alegrem ente o que o casal de cervos de verdade havia
feito.
Quando o dia am anheceu, os pares ainda estavam abraçados, um hom em
para cada m ulher.
E foi assim que os tárias deram início à sua gloriosa descendência.
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