L. G. Cambaúva, L. C. da Silva e W. Ferreira
Estudar a história da psicologia é apreendê-la na sua totalidade
enquanto criação humana, isto é, compreender como, por que e quan-
do foi criada. Isso pode significar a compreensão do predomínio de
linhas teóricas, a eleição dominante de uma determinada área de atua-
ção, o aparecimento de novas áreas de atuação.
Mas estudar a história da psicologia vai além disso: é também
estudar a nossa história enquanto homens, produtores de conheci-
mento, e dessa forma, através desse estudo, nos situarmos frente ao
mundo em que vivemos e no qual atuamos profissionalmente.
Assim, as idéias apresentadas neste artigo têm o intuito de contri-
buir com as reflexões sobre a ciência psicológica no que diz respeito à
sua construção – sua história. Dessa forma, temos duas motivações
intimamente vinculadas que impulsionam nossas reflexões: uma se
relaciona com a necessidade de compreensão da transformação das
idéias psicológicas em psicologia científica; a outra relaciona-se com
a possibilidade de apreensão do senso crítico quando da análise do
processo de transformação do homem de ser passivo em ser ativo e
criador, portanto, em ser autônomo, cuja capacidade essencial é a de
discernimento por si próprio. A vinculação desses dois motivos se
dá, ao nosso olhar, na apreensão da construção da psicologia como
ciência na história do pensamento humano.
2. Concepções de história
Entretanto, existem história e história. Isto é, existem concepções
de história que se antagonizam quanto ao papel do homem no seu
processo de desenvolvimento. As,sim podemos apontar duas concep-
ções da ciência da história; a prim,eira considerada como internalista
pressupõe que as idéias científicas são produto de outras idéias, nes-
te sentido não considera os fatores externos tais como as condições
sociais, econômicas e técnicas, relevando somente fatores ideológi-
cos, supondo desta forma que a origem de um pensamento científico
está no interior do sistema de idéias de uma época.
Quando lemos alguns autores de história da psicologia, como,
por exemplo, Brett (1972); Foulquié & Deledalle (1977); Heidbreder
(1981); Misiak (1964); Mueller (1978); Penna (s/d); Schultz & Schultz
215
História da Psicologia
(1992), observamos que a concepção de história contida nesses auto-
res é aquela contada cronológica e linearmente, em que não se faz
presente a análise da ciência como prática social de uma determinada
sociedade vivendo determinado momento histórico de sua produção.
Essa concepção revela o homem como ser criador da realidade a partir
da idéias, definindo a história como hóstoria intelectual. Dizemos que
tal concepção é uma história desligada do homem que a produz, por-
que trata somente das idéias em si, mantendo-as afastadas das cir-
cunstâncias de ordem social que as produziram. Assim, o que obser-
vamos é um levantamento de fatos mais imediatos que antecederam
essa ou aquela abordagem, esse ou aquele sistema de idéias.
A segunda concepção, definida como externalista, pressupõe que a
história das ciências condiciona os acontecimentos científicos às suas
relações com os interesses ss,ciais ideológicos, filosóficos e econô-
micos, podendo ser fatalista e mecânica, ao estabelecer uma relação de
causa e efeito, isto é, revela uma concepção de homem passivo diante de
uma realidade na qual não pode intervir, por estar totalmente condicionado
aos fatores sociais e econômicos. Assim, se a primeira concepção é a
história intelectual, esta segunda pode ser considerada a história social.
Para qualquer ciência, inclusive a psicologia, a concepção de his-
tória sem a interpretação ou análise dos fatos e do contexto em que foi
produzida dá a conotação de que a ciência em estudo (no caso a
psicologia), “aparece” na história do pensamento de forma casuística,
como se fosse obra de alguns homens geniais quando têm a revelação
do conhecimento. Tal concepção, internalista, dá a entender que o
homem cria individualmente, exclusivamente no plano das idéias, as
suas formas de conhecimento. A outra concepção, externalista, prede-
termina o homem como se ele fosse simples reflexo e registrador dos
fatos, sem neles intervir. Portanto, os fatos, por serem concebidos como
mecânicos e predeterminados, são independentes da ação humana, ge-
rando uma visão de homem como ser passivo diante do conhecimento.
Dessa forma, estamos diante de concepções de história que apon-
tam a história dos homens e a história das ciências como mundos
paralelos e não como um único mundo. Estas concepções rompem a
unidade produtor-homem e produção-ciência.
216
Compartilhe com seus amigos: |