L. G. Cambaúva, L. C. da Silva e W. Ferreira
dos segundo a determinação do plano nacional de desenvolvimento
econômico, e forçosamente são voltados para a formação de recursos
humanos, onde a produção do saber é direcionada exclusivamente
para os meios de produção, visando unicamente ao crescimento eco-
nômico e acúmulo de riquezas de um grupo minoritário. Assim, o
aluno universitário, considerado como um SER histórico, ativo e cria-
dor, é reduzido a um sujeito passivo, a-histórico, domesticado e de-
pendente (Pereira, 1985, p.117).
Embora atualmente alguns daqueles princípios da Lei da Reforma
Universitária de 68 tenham sido excluídos da vida acadêmica de muitas
universidades brasileiras (como a revogação do regime de créditos, que
permitia a matrícula por disciplinas, e a implantação do regime seriado
anual, e também a conquista da eleição direta para reitores e vice- reito-
res), as conseqüências, após 30 anos, se fazem presentes, em geral,
numa vivência de universidade despolitizada que, via de regra, não pos-
sui o senso crítico, nem do momento histórico pelo qual passou e passa
o Brasil, nem das ciências a que se referem seus cursos de formação.
O caso da psicologia no Brasil (que não pode ser generalizado
para outros países, nem mesmo da América Latina), nesse período, foi
sui generis, porque, regulamentada como profissão em 1962, não foi
ameaça para o regime implantado, já que a concepção de ciência ado-
tada pela “psicologia brasileira” assumiu o modelo biológico, fazendo
uma analogia acrítica (a-histórica) entre o meio natural e o
meio social
ao qual o homem –objeto de estudo- tem de ajustar-se da melhor
maneira possível para que sobreviva enquanto indivíduo. Não se con-
sidera, nessa concepção, a natureza histórica do homem e da socieda-
de que ele produz. Atendendo às necessidades de sustentação do
próprio modo de produção capitalista (que, em contextualizações es-
pecíficas, encontra respaldo político nos governos autoritários), a
psicologia vem atender aos imperativos do mercado de trabalho, que
apelam para um determinado tipo de racionalidade e produtividade
(Malheiro & Nader, 1987). Assim, a prática psicológica, de acordo com
os autores, orienta-se no sentido de "ajudar o homem a suportar e a se
adaptar às engrenagens do sistema" (p. 12).
Nesse âmbito, é fácil entender por que a psicologia clínica ganha
status. Se se entende que as perturbações dos indivíduos são de sua
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História da Psicologia
responsabilidade individual e que cabe a ele procurar
ajustar-se à
normatização social, crê-se, também, que a solução deve se dar no
âmbito individual, com a cura da perturbação, do distúrbio particular
no qual se embrenhou o indivíduo, diluindo-se também a possibilida-
de de reflexões coletivas.
E além de retirar da psicologia a possiblidade de pensar o homem
enquanto produto social, enquanto ser coletivo, e problematizar suas
pesquisas, também, nesse âmbito, privilegiou-se muito mais a técnica
por esta ser muito mais pragmática. Quando Gomide (1984) analisa a
formação acadêmica em psicologia e suas deficiências, conclui que
"não estamos formando profissionais capazes de construir a psicolo-
gia, mas apenas de repeti-la pois o estudante apenas aprende técnicas
e busca o cliente para aplicá-las" (p. 74).
Esses depoimentos, que não são simples desabafos, mas análises
dos resultados da pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psico-
logia em 1988, já citada, nos revelam que a psicologia no Brasil, en-
quanto ciência, parece ter passado incólume pelo regime autoritário,
revelando na sua prática os efeitos da reorganização universitária do
país pós-64, que, além da despolitização, encarregou-se de retirar, tan-
to da academia como da ciência, o senso crítico.
Podemos então dizer que a manifestação, ou melhor, que a
concretude na atualidade do passado autoritário imposto pelas políti-
cas educacionais governamentais no Brasil buscou, sem dúvida, o
aprimoramento técnico em detrimento da análise das teorias que
embasam essas técnicas.
A reversão desse quadro requer que se eleja como princípio da
formação profissional não só ensinar as técnicas, mas também discu-
tir, criticar e analisar o porquê de elas se desenvolverem, em que época
surgiram, para que propósitos serviram ou servem, ou seja, buscar
retomar com o aluno o processo de desenvolvimento histórico da
ciência com a qual vai trabalhar.
E aí entra a questão da história, a história como forma de apropri-
ação do senso crítico, de contextualização do advento da ciência, o
que pode levar a uma politização, a um compromisso social do aluno
frente à sua atuação, seja enquanto estudante, seja enquanto profis-
sional. Esse já é outro motivo para se estudar a história da psicologia.
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